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31 | Mai

Do percentual de retenção na resolução de promessa de compra e venda de imóvel por culpa do comprador

Breves notas sobre o entendimento jurisprudencial sobre o tema.

Do percentual de retenção na resolução de promessa de compra e venda de imóvel por culpa do comprador

Com a crise econômica observada a partir do ano de 2014 no Brasil, com considerável repercussão no mercado imobiliário, que experimentou um aumento exponencial dos pedidos de distrato e de resoluções contratuais, questão tormentosa e recorrente no Poder Judiciário diz respeito ao percentual de retenção permitido ao promitente vendedor/construtor na hipótese de resolução do contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária por culpa exclusiva do promitente adquirente.

Neste sentido, em meados de 2012, quando do julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo nº. 1.138.183, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça - STJ deliberou pela adoção do percentual de 25% (vinte e cinco por cento) sobre os valores pagos (e não de “até” 25% dos valores pagos).

Pertinente a transcrição de parte do voto proferido pelo Ministro Sidnei Benetti, relator do recurso em questão, que bem atentou para a necessidade de se observar o interesse da coletividade em ações de tal natureza, ressaltando que um baixo percentual de retenção “pode servir de incentivo à desistência de compradores incautos antes da entrega do imóvel”, inviabilizando, até, a continuidade do empreendimento:

Na verdade, durante o período de construção do imóvel a construtora necessita de grande aporte de capital, e a desistência de compradores pode inviabilizar o empreendimento, prejudicando a coletividade.

10.- Não há, portanto, motivo para penalizar a parte que está cumprindo com a obrigação assumida, pelo simples fato do imóvel não ter sido ocupado. O descumprimento contratual deve ser evitado e a retenção de 25% pela vendedora do que foi pago pelo comprador cumpre bem com o papel indenizatório e cominatório. Contrario sensu, a redução do percentual, nesses casos, pode servir de incentivo à desistência de compradores incautos antes da entrega do imóvel.

Em sucessivo, o próprio STJ passou a flexibilizar tal entendimento, admitindo a retenção entre 10% (dez por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos[1], instituindo, portanto, não mais um percentual de retenção, mas uma faixa de retenção que abriu margem para a subjetividade dos julgadores diante de cada caso concreto, muito embora, na prática, tenha se observado uma jurisprudência pró-consumerista com tendência de fixação da retenção em seu piso, o que inevitavelmente estimulou um aumento da judicialização sobre o tema, mesmo em situações que a promessa de compra e venda tenha sido superada por distrato, isto é, com condições pactuadas de comum acordo entre as partes.

Com a edição da Lei Federal nº. 13.786/2018, que disciplina a “resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária em parcelamento de solo urbano”, popularmente conhecida como a Lei dos Distratos, a discussão sobre o tema foi retomada, haja vista nela ser previsto que nesta hipótese a retenção, ou pena convencional, não poderia exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga, percentual que pode alcançar 50% (cinquenta por cento) se tratando de incorporação submetida ao regime do patrimônio de afetação.

Sendo assente que a referida norma não pode retroagir para alcançar os negócios jurídicos concretizados, os novos contratos elaborados sob a sua égide tendem a ter a discussão quanto à retenção pacificada, já que as incorporadoras estão legalmente acobertadas a praticarem o percentual de 25% (vinte e cinco por cento) sobre os valores pagos, persistindo, no entanto, os embates judiciais quanto à retenção nos contratos celebrados previamente à Lei dos Distratos.

Atento à mencionada lacuna, novamente o Superior Tribunal de Justiça se debruçou sobre o tema, desta feira para, retomando o precedente de 2012 da sua Segunda Seção, estabelecer que deve prevalecer o “percentual de retenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos pelos adquirentes, reiteradamente afirmado por esta Corte como adequado para indenizar o construtor das despesas gerais e desestimular o rompimento unilateral do contrato” em contratos anteriores à Lei nº. 13.786/2018:

2. Conforme decidido pela Segunda Seção no REsp 1.723.519/SP, nos casos de rescisão de contrato de compra e venda por culpa do adquirente, ausente qualquer peculiaridade na apreciação da razoabilidade da cláusula penal estabelecida em contrato anterior à Lei 13.786/2018, deve prevalecer o parâmetro estabelecido pela Segunda Seção no julgamento dos EAg 1.138.183/PE, DJe 4.10.2012, sob a relatoria para o acórdão do Ministro Sidnei Beneti, a saber o percentual de retenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos pelos adquirentes, reiteradamente afirmado por esta Corte como adequado para indenizar o construtor das despesas gerais e desestimular o rompimento unilateral do contrato. Tal percentual tem caráter indenizatório e cominatório, não havendo diferença, para tal fim, entre a utilização ou não do bem, prescindindo também da demonstração individualizada das despesas gerais tidas pela incorporadora com o empreendimento.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1197055/PA, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 26/02/2020)

Após reiteradas provocações em processos patrocinados pelo Mello Pimentel Advocacia, desde fevereiro do ano corrente o Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco, por meio de suas 1ª, 2ª[2] e 3ª[3] Câmaras Cíveis, passou a seguir o entendimento do STJ para estabelecer que, na resolução dos contratos celebrados anteriormente à Lei 13.786/2018, desde que por culpa do promitente adquirente, deve ser fixada a retenção no percentual de 25% (vinte e cinco por cento) em favor do promitente vendedor/construtor:

EMENTA[4]: APELAÇÃO CIVEL. CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. ARGUIÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. AFASTADA. ALEGAÇÃO DE AUSENCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO. INOCORRÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO IMEDIATA DE PARTE DO VALOR PAGO. PERCENTUAL DE RETENÇÃO DE 25%. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELA 2ª SEÇÃO DO STJ.  RESP 1723519/SP. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA ALTERAR O MONTANTE A SER RETIDO. DECISÃO UNÂNIME.

Um posicionamento firme, objetivo, como agora vem se observando, é absolutamente necessário para trazer mais segurança jurídica a todas as partes envolvidas nestes negócios, servindo, a um só tempo, para desestimular desistências imotivadas, em boa parte originadas em adquirentes com perfil de investidor, reduzindo, ainda, a excessiva litigiosidade sobre o tema e que em essência eram motivadas pela subjetividade de tratamento aplicada a cada caso, não sendo raras às vezes em que a uma mesma situação eram conferidas soluções díspares.

 

[1] AgRg no REsp 1110810/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 06/09/2013

[2] Processo nº. 0002564-54.2016.8.17.2810

[3] Processo nº. 0024041-38.2016.8.17.2001: Recentemente, o STJ tem se posicionado no sentido de que, nos contratos firmados antes da Lei n. 13.786/2018, deve prevalecer o percentual de 25% de retenção, por ser adequado e suficiente para indenizar o construtor das despesas gerais e do rompimento unilateral do contrato.

[4] Processo nº. 0018332-22.2016.8.17.2001, 1ª Câmara Cível.

 

Por Victor Costa. E-mail: contencioso.civel@mellopimentel.com.br