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08 | Jun

Negociado sobre legislado

Supremo decide que convenções e acordos coletivos de trabalho podem prevalecer sobre a lei, independentemente da existência de cláusulas compensatórias

Negociado sobre legislado

Em deliberação importante no sentido de validar norma da chamada Reforma Trabalhista, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria,  apreciando o tema 1046 da repercussão geral, fixou a tese de que "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

A discussão sobre a prevalência do negociado sobre o legislado teve lugar no julgamento de Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1.121.633) que tratava, especificamente, da validade de norma coletiva que suprimia, em troca de outros benefícios, o direito ao recebimento, como horas extras, do tempo gasto pelo trabalhador em seu deslocamento de casa para o trabalho no veículo fornecido pela empregadora (as chamadas horas “in itinere”).

O relator, Ministro Gilmar Mendes, registrou em seu voto que a jurisprudência do STF tem reconhecido a conformidade constitucional de normas coletivas que afastam ou limitam direitos trabalhistas.

A decisão deixou claro que acordos e convenções coletivas de trabalho podem se sobrepor à legislação existente, desde que o negociado não suprima direitos trabalhistas previstos na Constituição como, por exemplo, direito a salários, seguro-desemprego, licença-maternidade e adicionais de penosidade, periculosidade e insalubridade.

Para aquilatar o exato sentido do entendimento, considere-se, por exemplo, quanto aos adicionais de remuneração “para as atividades penosas, insalubres ou perigosas”, que o direito garantido pela Constituição Federal é, tão-somente, aquele ao recebimento do “adicional de remuneração” (inciso XXIII, do artigo 7º da Constituição Federal), inexistindo referência na Constituição a qualquer valor específico ou forma de cálculo desse adicional remuneratório. Assim, como o percentual dos adicionais é previsto em lei, pode ele ser pactuado por negociação coletiva. Na prática, aliás, desde a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, com amparo na previsão contida no artigo 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho, muitas normas coletivas dispunham sobre “enquadramento do grau de insalubridade”.

Importa destacar, em acréscimo, que a tese fixada pelo Supremo quanto à irrelevância de haver previsão de contrapartidas nas normas coletivas para que elas se sobreponham à legislação corrobora o exposto no parágrafo 2º do artigo acima referido, incluído pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), segundo o qual “A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico”.

Em regra, as cláusulas das normas coletivas poderão restringir direitos, mas sem ferir um patamar civilizatório mínimo garantido constitucionalmente.

O Ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou o relator, argumentou que a negociação coletiva é “importante direito social do trabalhador no sentido de privilegiar a autonomia de vontade, representada pelo sindicato, para discutir direitos disponíveis”.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 50 mil processos serão impactados pela decisão do Supremo, uma vez que a tese fixada não se limita à validade de normas coletivas que tratem sobre horas “in itinere”.

O processo pode ser consultado na página do Supremo Tribunal Federal: https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5415427&numeroProcesso=1121633&classeProcesso=ARE&numeroTema=1046

 

Por Larissa Macieira. E-mail: trabalhista@mellopimentel.com.br