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29 | Mai

A Medida Provisória nº 881/2019 e seus impactos nas relações de trabalho

A nova medida provisória encaminhada pelo governo federal ao Congresso Nacional, possui forte caráter liberal e repercute também no Direito do Trabalho, área que possui grande tendência ao intervencionismo estatal em detrimento ao “pacta sunt servanda”.

A Medida Provisória nº 881/2019 e seus impactos nas relações de trabalho

Apelidada de “MP da Liberdade Econômica”, a Medida Provisória nº 881/2019, publicada no Diário Oficial da União em 30/04/2019, promoveu significantes alterações em diversas áreas do Direito, com o propósito de desburocratizar a atividade empresarial e estimular o empreendedorismo e a inovação.

Deve-se ressaltar que a Medida Provisória dispõe expressamente sobre seus princípios norteadores: (i) a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas; (ii) a presunção de boa-fé do particular; e (iii) a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.

A relevância de tais princípios e sua incidência sobre vários segmentos legais se revela quando da leitura do Parágrafo Primeiro do artigo 1º da MP:

§ 1º  O disposto nesta Medida Provisória será observado na aplicação e na interpretação de direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública sobre o exercício das profissões, juntas comerciais, produção e consumo e proteção ao meio ambiente.

Ou seja, é certo dizer que, ao menos em tese, os princípios norteadores da MP nº 881/2019 deverão ser observados na aplicação e interpretação das mais diversas áreas do Direito, inclusive do Direito do Trabalho.

É cedo para mensurar o impacto da MP da Liberdade Econômica nas relações de trabalho; a sua pretensão, contudo, é abrangente e ousada, principalmente considerando a tendência à interpretação intervencionista das normas de direito do trabalho, com um claro desprestigio à livre iniciativa das partes.

Deve-se ressaltar, no entanto, que a norma em comento não se restringe à introdução de princípios liberais na aplicação e interpretação do direito do trabalho, o artigo 3º, II, da MP nº 881/2019 traz consigo alteração prática e imediata para o Direito Laboral. Veja-se:

Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição:

I - desenvolver, para sustento próprio ou de sua família, atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de atos públicos de liberação da atividade econômica;

II - produzir, empregar e gerar renda, assegurada a liberdade para desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, observadas:

a) as normas de proteção ao meio ambiente, incluídas as de combate à poluição sonora e à perturbação de sossego;

b) as restrições advindas de obrigações do direito privado, incluídas as situações de domínio de um determinado bem ou de partes de um bem por mais de uma pessoa simultaneamente;

c) as normas referentes ao direito de vizinhança; e

d) a legislação trabalhista;

Ao dispor que são direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, produzir, empregar e gerar renda, assegurada a liberdade para desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, a norma tem impacto concreto sobre o ordenamento jurídico atual. Explica-se.

Ocorre que, em seu artigo 68, a Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que o trabalho em domingo, seja total ou parcial, será sempre subordinado à permissão prévia da autoridade competente em matéria de trabalho, enquanto o parágrafo único do referido artigo determina que a permissão será concedida a título permanente nas atividades que, por sua natureza ou pela conveniência pública, devem ser exercidas aos domingos.

Além disso, o artigo 70 da CLT veda o trabalho em dias feriados nacionais e religiosos, fazendo mais um óbice à contraprestação em qualquer dia da semana, em sentido diametralmente oposto ao que está disposto na Medida Provisória nº 881.

A disposição da MP da Liberdade Econômica, portanto, possui relevância para as relações de trabalho, considerando que é possível se dizer, a partir de sua vigência, que não mais se faz necessária a autorização prévia para o trabalho em domingos e feriados, mesmo se a atividade econômica não estiver listada na relação do Decreto nº 27.408/49 (a qual elenca as atividades que possuem permissão permanente para o trabalho em domingos).

A clara intenção da MP 881/2019 de dinamizar a atividade econômica não pode ser desprezada na análise da disposição destacada.

É que, por óbvio, a necessidade de autorização prévia para o trabalho em domingos é excessiva e desmotivada, tratando-se de dificuldade que desestimula o empreendedorismo, principalmente para os pequenos negócios.

Caso observado o disposto no artigo 1º, §1º, da MP nº 881/2019, destacado no início do presente texto, não há dúvidas de que a norma deve ser interpretada no sentido de que qualquer atividade econômica está dispensada da autorização prévia para trabalho em domingo, uma vez que um dos princípios norteadores da Medida Provisória é o da “intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas”.

É possível dizer que a MP da Liberdade Econômica concede a toda atividade econômica a “conveniência pública” prevista no parágrafo único do artigo 68 da CLT, razão pela qual a permissão para o exercício aos domingos é permanente.

Deve-se ressaltar, no entanto, que a disposição da MP 881 não afasta as regras especiais quanto à remuneração dos domingos e feriados, sejam as previstas em norma coletiva ou em Lei, bem assim as demais regras que regulam o período de descanso dos trabalhadores.

Com efeito, ainda deverão ser observadas regras como as dispostas no artigo 7º, XV, da Constituição Federal; artigo 67 da CLT; e artigo 1º, da Lei 605/49, as quais dispõem que o descanso semanal deverá, preferencialmente, coincidir com o domingo, devendo haver escala de revezamento para evitar o trabalho em todos os domingos de um mesmo mês. Também é fato que permanecem exigíveis, por exemplo, regras contidas em convenções ou acordos coletivos que restrinjam, condicionem ou determinem remuneração diferenciada para o trabalho em domingos ou feriados.

Portanto, ainda que a MP 881 não traga alterações diretas à literalidade da Consolidação das Leis do Trabalho, possui enorme potencial para a mudança de paradigmas na Justiça do Trabalho.

Por Alberto Alcoforado, advogado integrante da Área Trabalhista.