No último dia 21 de outubro de 2020, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça apresentou desfecho sobre tema bastante controvertido na jurisprudência brasileira: a interpretação do parágrafo único do Art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, que trata sobre a aplicação da restituição em dobro do indébito nas hipóteses de cobrança indevida por parte de fornecedores.
No julgamento dos Embargos de Declaração em Agravo em Recurso Especial nº 676.608/RS, de relatoria do Ministro Og Fernandes e paradigma dos demais casos, os Ministros dirimiram posicionamentos que eram, até então, controvertidos dentro da própria Corte Superior.
Isto porque, para a 1ª e 2ª Turmas do STJ, que compõem a 1ª Seção (Direito Público), era pacífica a desnecessidade de comprovação da má-fé, elemento anímico do fornecedor, bastando a configuração da culpa do agente. Já para a 3ª e 4ª Turmas que compõem a 2ª Seção (Direito Privado), o entendimento oscilava entre a exigência, ou não, da má-fé do fornecedor do produto e/ou serviço.
Influenciado pelo entendimento já fixado pela 1ª Seção do STJ a qual é componente, o Voto do Min. Og Fernandes foi acompanhado pela maioria dos presentes, incluindo em suas razões a necessidade de violação à boa-fé objetiva para caracterizar a restituição na forma dobrada, sendo firmada a seguinte tese:
“A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva.”
As ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza Assis, em relação ao tema, foram votos vencidos, uma vez que criticaram a “inovação” dada pela Corte Superior, haja vista a decisão não reproduzir o entendimento da 1ª Seção ou da 2ª Seção, mas sim “criar” uma nova via de interpretação, que inseria a violação à boa-fé objetiva como pressuposto da devolução em dobro do indébito.
A Ministra Maria Thereza Assis prosseguiu informando que o julgamento em questão deveria validar os termos da decisão recorrida ou os termos do acórdão paradigma, e não oferecer uma terceira solução dissociada da questão controvertida. Além disso, encerrou que a questão da boa-fé objetiva ainda era algo a ser discutido e definido pela Corte.
Na ordem do dia, também restou decidido sobre a modulação dos efeitos do entendimento fixado às relações de Direito Privado, ocasião em que restou consignado que seria aplicável apenas àquelas ações ingressadas a partir da publicação do mencionado acórdão.
Esclareceu a Corte que nas demandas de natureza de Direito Público (1ª Seção) o entendimento já era predominante e não havia qualquer controvérsia, de modo que os efeitos da decisão proferida somente seriam aplicados às relações privadas.
O julgamento do mencionado Recurso também fixou tese em relação ao prazo prescricional para pretensão de repetição do indébito relativo a serviços não contratados de telefonia, determinando-se o prazo de 10 (dez) anos, nos termos do Art. 205,do Código Civil e em aplicação análoga a Súmula nº 412 do Tribunal Superior (“A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil”), sendo vencido o Min. Raul Araújo que entendeu pela aplicação do prazo trienal.
Tratou-se de julgamento importante para o Direito Privado, sobretudo, as relações de consumo, uma vez que encerrou a oscilação de entendimentos acerca da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja relevância foi reconhecida até pela Ministra vencida, Maria Thereza Assis: A partir de agora, pelo menos, essa discussão, cessa na Corte, de uma forma ou de outra, e isso é louvável.
Por Paulo Lima. E-mail: contencioso.civel@mellopimentel.com.br
Fontes:
https://www.youtube.com/watch?v=Yy6Mwo0B1Is
https://www.conjur.com.br/2020-out-21/devolucao-dobro-cobranca-indevida-nao-exige-ma-fe-stj