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17 | Jun

Breves Considerações sobre Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado instituído pela Lei Federal nº. 14.010/2020

Contextualização da norma e análise das suas disposições gerais

Breves Considerações sobre Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado instituído pela Lei Federal nº. 14.010/2020

Tendo por foco conferir segurança jurídica ante as inúmeras incertezas que passaram a incidir sobre as relações jurídicas em razão da pandemia do coronavírus, foi publicada, em 12/06/2020, a Lei Federal nº 14.010/2020, que instituiu no Brasil o chamado RJET: Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado, com repercussão em diversas áreas do direito, desde a parte geral do Código Civil (Prescrição e Decadência), passando pelo Direito de Família de Sucessões e Código de Proteção e Defesa do Consumidor, entre outros.

Marcada por vetos presidenciais – sete, dos vinte e um artigos que originalmente compunham o Projeto de Lei nº 1.979/2020, foram vetados – a lei (inspirada na Lei Faillot, de janeiro de 1918, editada na esteira do profundo impacto da economia europeia provocado pela Primeira Guerra Mundial) trouxe regras excepcionais para disciplinar atos e negócios jurídicos impactados pela crise sanitária.

 A Lei nº 14.010/2020 soma-se à Lei nº 13.979/2020 (que dispõe sobre as medidas administrativas para enfrentamento do coronavírus) para serem, até o momento, as duas principais “Leis da Pandemia”, dentro de um regime jurídico excepcional de emergência sanitária marcado por diversas Medidas Provisórias e incontáveis normas infralegais produzidas por órgãos e entidades da União, Estados e DF.

Em que pese a Lei nº 14.010/2020 expressamente fazer referência tão somente às relações jurídicas de Direito Privado, caso a redação do Projeto de Lei nº 1.979/2020 fosse mantida, em especial os artigos 6º e 7º, que versavam sobre relações contratuais, os contratos da administração (dentre eles os administrativos), por força do art. 54 da Lei n° 8.666/93 e do art. 68 da Lei n° 13.303/2016, certamente teriam sido impactados.

Muito embora a Lei tenha entrado em vigor na data de sua publicação, ela traz em seu artigo 1º uma limitação temporal de alcance interessante, vez que estabelece como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus (Covid-19), o dia 20 de março de 2020, que é a data correspondente à da publicação do Decreto Legislativo nº 6/2020, por meio do qual o Congresso Nacional reconheceu o estado de calamidade pública em razão da pandemia para fins de dispensa do atingimento dos resultados fiscais e limitação de empenho segundo a lei de diretrizes orçamentárias.

Por outro lado, curiosamente, se considerarmos que propósito da lei é o de mitigar os efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia por meio da criação de regras transitórias, seria esperado que referidas regras vigorassem pelo período abrangido pelo Decreto Legislativo nº 6, isto é, do dia 20 de março de 2020 até o dia 31 de dezembro de 2020, entretanto, não há nada na Lei nº 14.010/2020 nesse sentido.

Oportuno observar que a lei não impede que as consequências da pandemia relativamente a fatos ocorridos ou negócios jurídicos celebrados previamente à sua vigência sejam discutidos com base na legislação antecedente (Código Civil e Código de Proteção e Defesa do Consumidor, v.g) e teorias dela decorrente, como a teoria da imprevisão, da qual a onerosidade excessiva e superveniente é requisito intrínseco.

Em sequência, numa iniciativa que, se não é inédita, certamente é muito rara no ordenamento jurídico brasileiro, o artigo 2º da Lei nº 14.010/2020 suspende a aplicação de outras normas, mas deixa bem claro que não as está alterando ou revogando.

A razão para tal medida repousa na justificativa do Projeto de Lei nº 1.979/2020, onde se afirmava que o seu propósito não é o de “alterar as leis vigentes, dado o caráter emergencial da crise gerada pela pandemia, mas apenas criar regras transitórias que, em alguns casos, suspendam temporariamente a aplicação de dispositivos dos códigos e leis extravagantes”, por isso mesmo as normas referidas não foram revogadas ou alteradas definitivamente, o que, aliás, seria contraditório com o regime jurídico temporário de caráter emergencial.

É de se louvar a preocupação do legislador. É fato que a situação inédita ora vivenciada exige do aplicador do direito a compreensão de que as normas previamente estabelecidas não poderiam, em muitas ocasiões, ser tidas como adequadas a regular circunstâncias concretas absolutamente inesperadas. Isso autoriza, portanto, ajustes interpretativos relevantes. Todavia, deve haver atenção para que essas linhas exegéticas inovadoras e excepcionais não sejam manejadas de modo a permitir sua indevida aplicação em tempos de normalidade sob pena de se estabelecer um ambiente de grave insegurança jurídica que afugentaria a aplicação dos escassos recursos em uma economia já combalida pelos efeitos da pandemia.

Ao final dessas primeiras observações sobre o RJET instituído pela Lei nº 14.010/2020, fica a sensação de que houve uma preocupação do legislador em sobretudo conferir um norte interpretativo para a prática de atos e a execução de negócios jurídicos impactados pela pandemia e, dada a qualidade dos seus dispositivos, a norma se constitui num valioso instrumento para atingir os objetivos que justificaram a sua edição.

 

Por Aldem Johnston. E-mail: admecon@mellopimentel.com.br  e  Victor Costa. E-mail: contencioso.civel@mellopimentel.com.br