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04 | Nov

As repercussões da Lei da Liberdade Econômica nas relações societárias e contratuais

Ato do Poder Executivo instituiu a Declaração e Direitos da Liberdade Econômica, estabeleceu normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica, e dispôs sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador

As repercussões da Lei da Liberdade Econômica nas relações societárias e contratuais

No dia 20 de setembro de 2019, a Medida Provisória n.º 881, de 30 de abril de 2019, foi convertida na Lei n.º 13.874 (“Lei da Liberdade Econômica”), instituindo medidas que objetivam a simplificação de procedimentos e redução de custos para os empreendedores realizarem a exploração de atividades econômicas.

Para viabilizar tais avanços, algumas normas e leis específicas de vários ramos do direito foram alteradas, com base nos princípios da boa-fé do particular perante o Poder Público, da liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas, da intervenção mínima do Estado sobre o exercício de atividades econômicas e do reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

De modo geral, a Lei da Liberdade Econômica assegurou direitos essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômico do País, dentre os quais podemos destacar: (i) o desenvolvimento de atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, sem cobrança de encargos adicionais por isso; (ii) a dispensa de quaisquer atos do Poder Público de liberação da atividade econômica de baixo risco; e (iii) a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes, prevalecendo o avençado por e sobre as regras de direito empresarial.

Especificamente nas relações societárias e contratuais, as alterações ocorreram na Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (“Código Civil”), na Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei da Sociedade Anônimas”), na Lei n.º 11.598, de 03 de dezembro de 2007 (“Lei da REDESIM”), e na Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994 (“Lei de Registro Público Empresarial”), conforme detalhado a seguir:

1. ALTERAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL

a) Autonomia patrimonial da pessoa jurídica

As disposições alteradas ou incluídas no Código Civil, de modo geral, buscam assegurar que a pessoa jurídica não se confunda com as pessoas físicas dos sócios, associados, instituidores ou administradores. Nesse sentido, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica está conceituada como um instrumento lítico de alocação e segregação de riscos, que tem como finalidade estimular empreendimentos, gerar empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos (artigo 49-A, do Código Civil).

b) Novos critérios para desconsideração da personalidade jurídica

Ainda nesse sentido, foram realizadas alterações significativas nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. Inclusive, com a nova redação do artigo 50, do Código Civil, foram incluídos os conceitos de “confusão patrimonial” e de “desvio de finalidade”, bem como foram criados critérios mais objetivos para a caracterização do instituto. 

Em relação ao abuso de personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, foi expressamente previsto que a medida deve atingir apenas os bens dos sócios ou administradores que forem – direta ou indiretamente – beneficiados pelo abuso, os quais poderão, neste caso, responder com seus bens próprios.

Ademais, foi expressamente previsto que a mera existência de grupo econômico – sem que reste comprovada a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade – não autoriza, por si só, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

c) Novos parâmetros para a interpretação dos negócios jurídicos

Com vistas a reduzir o controle do Estado sobre as relações particulares, a Lei da Liberdade Econômica conferiu maior autonomia à vontade das partes, para tal, foi expressamente assegurado que os negócios jurídicos devem ser interpretados considerando o sentido que (i) for confirmado pelo comportamento posterior das partes; (ii) corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; (iii) corresponder à boa-fé; (iv) for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo; (v) corresponder à qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida.

Ademais, foi assegurado que as partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei (artigo 113, do Código Civil).

d) Liberdade contratual e intervenção mínima do Estado

Ainda com vistas a reduzir a intervenção do Estado nas relações contratuais privadas, foi expressamente prevista a prevalência do princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual. Assim, os contratos civis e empresariais deverão ser presumidos como paritários e simétricos, até que sejam apresentados elementos concretos que justifiquem o afastamento de tal presunção.

Nesse sentido, foi garantido que as partes poderão estabelecer livremente parâmetros objetivos para interpretação das cláusulas contratuais e de seus pressupostos de revisão e de resolução, devendo a revisão contratual ocorrer somente de maneira excepcional e limitada, visto que a alocação de riscos definida pelas partes deve ser observada e respeitada (artigos 421 e 421-A, do Código Civil).

e) Limitação da responsabilidade pelas dívidas da EIRELI

Entrando na seara societária, foi assegurado que somente o patrimônio social da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI responderá pelas dívidas contraídas pela empresa, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular pessoa física ou jurídica que a constituiu, ressalvados apenas os casos de fraude (§ 7º, do artigo 980-A, do Código Civil).

f) Criação da sociedade limitada unipessoal

Outro grande avanço na esfera societária, sem sombra de dúvidas, foi a possibilidade de constituição de sociedade empresária limitada por apenas uma pessoa. Com isto, os empresários que pretendem constituir uma sociedade limitada não precisarão mais admitir um sócio minoritário apenas para cumprir o antigo requisito da pluralidade de sócios.

Ademais, também não haverá capital mínimo para a constituição da sociedade limitada unipessoal – o que era um empecilho para a constituição do tipo jurídico EIRELI, que possui capital mínimo de 100 (cem) salários mínimos. Com isso, é esperado que sejam constituídas cada vez mais limitadas unipessoais do que EIRELIs (parágrafos 1º e 2º, do artigo 1.052, do Código Civil).

g) Regulamentação dos fundos de investimentos

Ainda na seara societária, destaca-se que a Lei da Liberdade Econômica, através da inclusão do Capítulo X no Código Civil, regulamentou os fundos de investimento – que foram definidos como uma comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial, destinados à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza.

Importante destacar que foi expressamente previsto que caberá à Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) disciplinar as disposições relativas aos fundos de investimento, de modo que os efeitos do Capítulo X, do Código Civil, não serão gerados de forma imediata. De todo modo, as disposições incluídas estabelecem as diretrizes legais para a regulamentação pela CVM.

Dentre tais diretrizes, destaca-se a limitação da responsabilidade dos investidores ao valor das suas cotas, a limitação da responsabilidade dos prestadores de serviço do fundo perante o condomínio e entre si, bem como a possibilidade de constituir prêmio segregado para cada classe de cotas.

2. ALTERAÇÃO NA LEI DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

a) Modificações na forma de subscrição das ações

Foram incluídos dois parágrafos no artigo 85 da Lei da S.A., que visam desburocratizar algumas formalidades na subscrição das ações pelos acionistas. Com a nova redação, a subscrição poderá ser feita por meio de carta à instituição bancária autorizada a receber a entrada do mínimo 10% (dez por cento) do capital social da companhia, acompanhada das declarações previstas no artigo 85 da Lei das Sociedades Anônimas e, obviamente, do pagamento da entrada.

Ademais, a assinatura de lista ou boletim de subscrição será dispensável, quando se tratar de hipótese de oferta pública, cuja liquidação ocorra por meio de sistema administrado por entidade administradora autorizada pela CVM, isto é: bolsas de valores, de mercadoria e de futuros, e os mercados de balcão organizado.

3. ALTERAÇÃO NA LEI DA REDESIM

a) Enquadramento das atividades de baixo risco

Para assegurar o direito à dispensa de quaisquer atos do Poder Público de liberação da atividade econômica de baixo risco, foi incluído o parágrafo 5º, no artigo 4º da Lei da REDESIM, dispondo que Ato do Poder Executivo Federal disporá sobre a classificação mínima de atividades de baixo risco, válida para todos os integrantes da REDESIM.

Apesar de não gerar efeito de forma imediata, por depender de regulamentação, este dispositivo estabelece expressamente que a autodeclaração de enquadramento será requerimento suficiente, até que seja apresentada prova em contrário – o que está totalmente em linha com desburocratização pretendida pela Lei.

4. ALTERAÇÕES NA LEI DE REGISTRO PÚBLICO EMPRESARIAL

a) Dispensa de pagamento taxas

A Lei da Liberdade Econômica alterou vários dispositivos da Lei de Registro Público Empresarial, instituindo diversas medidas de simplificação do procedimento e redução de custos para o empreendedor. A primeira mudança diz respeito à extinção de taxas para inclusão de informações no Cadastro Nacional de Empresas, as quais eram recolhidas por meio de DARF. Além disso, houve isenção de taxas (estadual e federal) para serviço de arquivamento dos documentos relativos à extinção do registro dos tipos jurídicos empresário individual, EIRELI e sociedade limitada. (§ único, do artigo 4º, e § 2º, do artigo 55, da Lei de Registro Público Empresarial).

Para garantir a aplicabilidade das medidas sobre a isenção de taxas, os usuários do serviço público de empresas que efetuaram o pagamento de taxas que passaram a ser dispensadas pela Lei da Liberdade Econômica poderão solicitar a restituição dos valores pagos – casos os processos ainda não tenham sido apresentados na Junta Comercial, através do e-mail institucional do Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI, no seguinte endereço: drei@mdic.gov.br.

b) Alteração dos prazos de análise pelas Juntas Comerciais

Outra mudança relevante e positiva diz respeito aos prazos para análise dos pedidos de arquivamento de atos societários nas Juntas Comerciais.

Com a nova redação, o arquivamento de atas de assembleias gerais e dos demais atos de sociedades anônimas, tais como atas de reunião do Conselho de Administração e da Diretoria, não será mais submetido ao regime de decisão colegiadas pelas Juntas Comerciais. Assim, o prazo legal de análise deixa de ser de 05 (cinco) dias úteis e passa a ser de 02 (dois) dias úteis, contado da data de seu recebimento, sob pena de os atos serem considerados arquivados, mediante provocação dos interessados (artigo 41 da Lei de Registro Público Empresarial).

c) Arquivamento automático de certos atos societários

O arquivamento de atos constitutivo, de alterações e de extinção que não estejam submetidas ao regime de decisão colegiada pela Junta Comercial terá o registro deferido automaticamente, caso cumpridos os requisitos de (i) aprovação da consulta prévia da viabilidade do nome empresarial e da viabilidade de localização, quando o ato exigir; e (ii) utilização pelo requerente do instrumento padrão estabelecido pelo DREI (§3º do artigo 42 da Lei de Registro Público Empresarial).

d) Publicidades de atos decisórios

Ainda nessa linha, as Juntas Comerciais deverão realizar a publicação de atos decisórios em seus sites na internet, sendo assim, tal medida condiz com a oferta de serviços públicos digitais à sociedade, sem a necessidade de atendimento presencial no órgão para a obtenção da informação (artigo 31 da Lei de Registro Público Empresarial).

e) Autenticidade de documentos

Por fim, destaca-se que a autenticidade da cópia de documentos em cartório passa a ser desnecessária, uma vez que o advogado ou contador da parte interessada poderá declarar, sob sua responsabilidade pessoal. Ademais, a autenticação do documento poderá ser realizada por meio de comparação entre o documento original e a sua cópia pelo servidor a quem o documento seja apresentado (parágrafos 1º e 2º, do artigo 63 da Lei de Registro Público Empresarial).

Diante das significativas modificações trazidas pela Lei da Liberdade Econômica, não restam dúvidas que será necessário realizar ajustes significativos nos instrumentos societários e contratuais das empresas, mas, principalmente, acompanhar as mudanças nos procedimentos já adotados pelas Juntas Comerciais, bem como a repercussão que tudo isso irá causar no Poder Judiciário – tendo em vista que se objetiva a intervenção mínima do Estado.

A área empresarial do Mello Pimentel Advocacia encontra-se à disposição para eventuais esclarecimentos, orientações ou providências sobre o assunto.

Por Manuela Barros e Mayara Ferreira. E-mail: empresarial@mellopimentel.com.br.