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03 | Nov

Portaria 620/2021 do Ministério do Trabalho é insustentável

Artigo do sócio César Caúla é publicado no Blog de Jamildo

Portaria 620/2021 do Ministério do Trabalho é insustentável

Ao lado dos desafios inerentes à atividade empreendedora em qualquer lugar, o empresário brasileiro tem contra si um quadro de insegurança jurídica  do qual o País tem grande dificuldade de se desvencilhar. Os tempos que vivemos, em meio a uma pandemia que já nos atinge há quase dois anos, acresceu a esse cenário incertezas econômicas e sanitárias de grandes proporções. 

Impressiona que o governo federal, longe de oferecer tempestivas medidas de amparo aos trabalhadores e ao empresariado, pareça se esforçar para trazer mais dificuldades para todos. Tudo em nome de um negacionismo que apenas atende a convicções injustificadas de uma pequena fração de seus apoiadores. 

Refiro-me aqui especificamente à edição, pelo Ministério do Trabalho, em 1º/11/2021, da Portaria 620, que ostensivamente pretende combater as medidas patronais de exigência de vacinação dos trabalhadores, como pressuposto da prestação de serviços. A Portaria define como prática discriminatória essa exigência e, em consequência, qualifica como inválida a demissão do empregado que se negar à vacinação, pretendendo impor ao empregador uma indenização por dano moral e a reintegração do trabalhador, ou o pagamento de uma inusitada indenização em dobro do período de afastamento, tudo sem que para isso haja qualquer suporte legal.

Nem é o caso aqui de discorrer mais longamente sobre quão absurda é a dita portaria. Numa síntese rápida, pode-se dizer ela que viola o princípio da legalidade e extrapola a competência do Poder Executivo (CF, arts. 5º, II, e 22, I), querendo impor comportamentos sem o devido amparo em lei aprovada pelo Congresso; infringe a garantia constitucional de proteção à saúde, inclusive no ambiente de trabalho (CF, arts. 7º, XXII, e 196); contraria a legislação específica (Lei 13.979/2020) que estabelece a vacinação como um dos meios de combate à pandemia; esquece que a Constituição, a CLT e suas normas regulamentadoras impõem aos empregadores o poder-dever de zelar pela saúde de seus empregados, sob pena de responsabilização inclusive; ignora que a legislação trabalhista determina aos próprios empregados que observem as regras de segurança e medicina e segurança do trabalho; afronta decisão específica do STF, nas ADIs 6586 e 6587; desconsidera seguidas manifestações da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e de vários órgãos públicos sobre a exigibilidade da vacinação, etc. Para além disso, a portaria contraria os mais elementares reclamos do bom senso, da atenção à ciência e, mesmo, da humanidade, quando investe contra todo o esforço social feito para nos livrarmos do mal que nos aflige.

Certamente os responsáveis pela malsinada portaria estão advertidos de tudo isso. Mesmo que ignorem as mais elementares lições de Direito, terão sido informados de que uma portaria é um mero ato administrativo incapaz de inovar no ordenamento jurídico sem amparo na lei e que os seus “consideranda” são insustentáveis. Sabem que, ao final, esse ato desastrado será declarado inaplicável. Isso não os parece preocupar, talvez porque não sejam motivos jurídicos que os impelem. Até que o erro seja corrigido, porém, sua atitude terá trazido mais problemas para os empresários e menos segurança para os trabalhadores e a população, contrariado a ciência, sustentado deliberações incorretas, criado mais litígios desnecessários e atrapalhado o combate à pandemia. 

Espera-se que haja prontas e efetivas respostas, por parte do Congresso Nacional e do Poder Judiciário, a esse equívoco crasso. 

Até lá, a sugestão responsável que se pode dar aos empresários é que simplesmente ignorem a Portaria 620/2021 quanto ao aspecto da vacinação, porque ela não pode impor comportamento aos particulares, e que sigam adotando todas as providências necessárias à garantia da saúde de seus empregados e da população, inclusive a exigência de vacinação, até mesmo para evitar responsabilização como decorrência de falhas dos procedimentos voltados a reduzir os riscos de contaminação. 

 

César Caúla é sócio de Mello Pimentel Advocacia e Procurador do Estado.